O Tigre e o Menino
Primeiro asiático a receber um Oscar de melhor diretor, Ang Lee fala da acidentada trajetória em Hollywood e de seu novo filme, “As Aventuras de Pi”
por Francisco Quinteiro Pires
Durante as filmagens, Ang Lee frequentemente se esquecia de que usava câmeras 3D. Quando ele iniciou o projeto, o diretor canadense James Cameron ainda não havia concluído seu Avatar, indicado ao Oscar de melhor filme em 2010. Foi então que a tecnologia tornou-se uma das principais apostas para conquistar os espectadores. “Antes, não havia ninguém que pudesse me ensinar os truques do 3D”, diz Lee. Ele teve de aprendê-los por tentativa e erro. Concebido inteiramente no computador, o tigre de bengala, por exemplo, só surgiu após inúmeros esboços.
Os recursos digitais não economizaram a preocupação com a atuação, muito pelo contrário. “O 3D capta mais detalhes, aumenta a profundidade de campo e, por isso, exibe melhor as sutilezas dos gestos dos atores. Precisei pensar mais na mise-en-scène e menos na montagem. Fazia muita diferença o lugar em que eu colocava as pessoas e os objetos. Mais do que nunca, eu necessitava ser cuidadoso.”
Para aceitar a proposta de usar um vasto aparato tecnológico na exploração de temas metafísicos, Lee fez uma exigência aos produtores: liberdade total. Tinha certeza, porém, de que não poderia agir por impulso. “No começo, não sabia o que estava fazendo. Esse filme é muito diferente de minhas criações anteriores. Precisei combinar estratégia com improvisação. Gosto de testar à vontade para ver o que acontece.” Tal jeito de trabalhar, admite, aumenta os custos. No passado, a tarefa de lidar com o desconhecimento técnico, a pressão dos estúdios e o alto orçamento quase o fez abandonar a carreira.
Luto e Renascimento
Fruto de uma incursão pelo universo das histórias em quadrinhos, Hulk, finalizado em 2003, é seu maior fracasso profissional. As intenções artísticas de Ang Lee não se adequavam às exigências estabelecidas por Hollywood e reinou uma absoluta falta de entendimento com os produtores. Consagrado pela “trilogia chinesa”, composta de A Arte de Viver (1992), Banquete de Casamento(1993) e Comer Beber Viver (1994), o cineasta se viu encarnando alguns dos principais conflitos de suas histórias. Sentiu na pele o choque entre visões irreconciliáveis, muitas vezes simbolizadas pelo embate entre Ocidente e Oriente (leia quadro na página ao lado).
Deprimido, o cineasta voltou à ativa por incentivo do pai, inicialmente contrário à sua escolha profissional. Em meio a um período de luto – o pai morreu nesse intervalo –, dirigiu O Segredo de Brokeback Mountain (2005). O filme, que fala do amor proibido entre dois caubóis norte-americanos, rendeu o primeiro Oscar de direção a um asiático. Polêmico e de baixo orçamento, o longa também libertou Lee das pressões comerciais. A volta a um cinema de caráter mais independente o consolidou como nome internacional. Em 2001, O Tigre e o Dragão havia perdido a estatueta de melhor filme paraGladiador, de Ridley Scott. Foi considerado excessivamente oriental. Lee se frustrou porque já não aceitava ser entendido como um forasteiro pela Academy of Motion Picture Arts and Sciences.
Havia, portanto, razões de sobra para que o diretor decidisse realizar As Aventuras de Pi longe de Hollywood. “Eu não conseguiria trabalhar em Los Angeles. Além de o projeto sair mais caro, haveria pessoas demais dizendo o que devia ser feito. E o fato de estarmos desenvolvendo algo inédito deixaria muita gente tensa.” Assim, a maioria das cenas foi rodada na Índia e em Taiwan. Em um aeroporto abandonado de Taichung, a 190 km de Taipei, Lee mandou construir um tanque de água gigante, capaz de gerar ondas. Ali, ele filmou a segunda parte do longa, quando Pi está à deriva. “Por ser extensa, temi que as pessoas ficassem impacientes quando a vissem nos cinemas.”
Passagem do Tempo
Ganhador do Man Booker Prize de 2002, o romance A Vida de Pi foi comparado a clássicos comoRobinson Crusoé, de Daniel Defoe, e O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Mas gerou polêmica por ter se inspirado em Max e os Felinos (1981), de Moacyr Scliar (1937-2011). Houve até acusação de plágio. À época do lançamento do romance, seu autor admitiu ter aproveitado a ideia do escritor brasileiro. Disse, inclusive, que transformou um livro menor em obra-prima. Em Max e os Felinos, o argumento é o mesmo: um jovem convive com um jaguar num barco durante uma viagem entre a Alemanha ocupada pelos nazistas e o Brasil. Sob a ótica taoísta do cineasta oriental, a história se transformou em uma reflexão sobre a passagem do tempo: “Quando as coisas mudam, e elas sempre mudam, é necessário se adaptar”.
Depois da première, na abertura do New York Film Festival, em setembro, Ang Lee finalmente percebeu que a sua criação “pode ter funcionado”. “Durante meses, eu me senti tão perdido quanto Pi”, confessa, já “em terra firme”. “Eu chorei. Mas não era um choro de triunfo. As lágrimas eram de alívio.”
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