TEATRO

Acordes do diretor José Celso Martinez Corrêa 


Em Acordes, o diretor José Celso Martinez Corrêa acerta ao fazer alusões à peça sobre a liberdade de voar que montou em 1958
por Valmir Santos




O jovem José Celso Martinez Corrêa, que escreveu a peça Vento Forte para um Papagaio Subir em 1958, na origem da Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, segue como referência para o veterano diretor. A pipa, que simboliza a liberdade dos que a empinam – metáfora autobiográfica de quem desejava cortar o cordão umbilical com a família provinciana e voar com a contracultura –, ecoa poeticamente na atual temporada de Acordes.
No espaço entre as arquibancadas do histórico Teatro Oficina, desenhado pela arquiteta Lina Bo Bardi no bairro paulistano do Bixiga, plana um 14-Bis cenográfico, pilotado pelo aviador Santos-Dumont. O efeito visual confirma o poder de mixagem de épocas e conteúdos presentes no espetáculo, uma adaptação livre de A Peça Didática de Baden-Baden sobre o Acordo, de Bertolt Brecht, autor alemão que Zé Celso não encenava desde Galileu Galilei Na Selva das Cidades, na década de 1960.
Brecht escreveu o drama musical com composições de Paul Hindemith em 1929, ano da grande depressão econômica dos Estados Unidos. O enredo evoca as raízes do capitalismo e questiona a ação da bondade, vista como um paliativo quando a sociedade clama por transformações. Durante a travessia do oceano Atlântico, um avião é obrigado a fazer um pouso de emergência. Em terra, os tripulantes apelam à ajuda de dois coros locais, que decidem se irão socorrê-los ou não. Como resiste às resoluções coletivas, o piloto sucumbe.
Escombros
Em apenas duas horas (duração menor que a de montagens recentes do Oficina, caso da obra-primaOs Sertões, cujas cinco partes somavam 27 horas), Acordes adota com clareza procedimentos do teatro épico, valorizando o texto narrativo e a argumentação. A montagem estimula o público a fazer escolhas diante do exposto. Estão em cena elementos da identidade profana da companhia, forjados ao longo de seus 54 anos: a carnavalização, a alegoria, a bossa nova, o jazz e, inclusive, o silêncio. Ao lado de imagens documentais ou captadas ao vivo, as palavras e os corpos dos quase 40 artistas-protagonistas são usados para criticar qualquer forma de violência, seja na cidade, seja no campo. Em alguns momentos, o canto coral perde o viço, mas o núcleo de atores e músicos, ao mesmo tempo potente e suave, sustenta a nave. Ela avança com a plateia até os escombros que ocupam o terreno atrás do teatro, alargando horizontes a céu aberto.


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